tag:blogger.com,1999:blog-38377368.post4886782518714200580..comments2023-10-17T13:29:16.744+01:00Comments on USAFelgueiras: Quaresma, Lordelo FLG 2010João Silvahttp://www.blogger.com/profile/06288734677642906051noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-38377368.post-91910592839349597332010-04-06T14:03:24.006+01:002010-04-06T14:03:24.006+01:00A cruz do mundo
por ANSELMO BORGES - 03 Abril 2010...A cruz do mundo<br />por ANSELMO BORGES - 03 Abril 2010 - DN <br />Se me não engano, foi Pinheiro de Azevedo quem, em 1976, instituiu o feriado de Sexta-Feira Santa. Penso que é um dos dias que mais fundo calam no coração dos portugueses. Sempre me admirou o facto de, perante a imagem de Jesus crucificado - queiramos ou não, é uma imagem de horror -, mesmo as crianças não entrarem em sobressalto emocional negativo. A partir do que sempre lhes foi ensinado, interiorizaram que ali está o amor. Jesus morreu como testemunha da verdade e do amor. <br />Um número incontável de homens e mulheres, nos 2000 anos de cristianismo, olharam para aquele crucificado e, no meio do seu sofrimento e angústia, nos becos sem saída da vida, perante os horrores brutos do mundo e da existência, receberam luz, esperança, alívio, inspiração. <br />Desgraçadamente, não foi só isso. Com Constantino, a cruz tornou-se sinal de poder e vitória do Império. Utilizou-se a cruz de Cristo para humilhar e matar nas Cruzadas. Na época dos Descobrimentos, a cruz acompanhou a espada nas conquistas e destruição de civilizações inteiras. Lá estava presente nas condenações da Inquisição. O filósofo Hans Blumenberg sugeriu que o cristianismo morreu na Europa quando Giordano Bruno, em 1600, na iminência de ser queimado vivo, cuspiu na cruz que o frade lhe apresentou para beijar, mas também há quem observe - com mais razão, creio - que cuspiu para o frade, representante da Igreja inquisitorial, e não para a cruz. Durante séculos, bispos, cardeais, papas, escarneceram da cruz de Cristo, usando triunfalmente ao peito cruzes de ouro, com pérolas e diamantes. E o que é mais: pregou-se que Jesus foi crucificado, porque Deus precisava do seu sangue para aplacar a sua ira. Transformou-se assim o Deus-amor num Deus sanguinário, vingativo, cruel e sádico. Para manter a dignidade, perante esse Deus, só se pode ser ateu. <br />Em face da cruz de Cristo, é-se confrontado com o calvário do mundo. Quem crê no destino fatal ou tem uma concepção dualista não se põe a questão com a acuidade dramática de quem acredita no Deus transcendente, criador e bom: porque é que Deus não impede o mal no seu horror? A História do mundo é verdadeiramente uma ecúmena de sofrimento: assassinatos, guerras, violência, fracassos no amor e na profissão, doenças, fome, humilhações, torturas, falta de sentido, traições..., no fim, a morte. Também a dor dos animais. Mas sobretudo o sofrimento das crianças e a condenação dos inocentes. Hegel referiu-se à História como um Schlachtbank: um açougue ou matadouro.<br />A história da filosofia está atravessada por tentativas de teodiceia: na presença do mal, justificar Deus racionalmente. Mas Kant referiu-se ao fracasso de todas as tentativas de teodiceia. Onde estava Deus em Auschwitz, por exemplo, ou no Haiti, na Madeira...? O mal aparece como "rocha do ateísmo".<br />Perante o mistério impenetrável de Deus e do mal, o crente cala. Como Job, na Bíblia, tem o direito de gritar, de protestar, de revoltar-se contra um Deus que lhe parece cruel: "Clamo por ti, e Tu não me respondes; insisto e não fazes caso. Tornas-te cruel comigo." Mas, depois, cala-se e entrega-se confiadamente. A última palavra ainda não foi dita e espera que pertença ao Deus da misericórdia.<br />Aliás, na sua última obra, Was ich glaube (A Minha Fé), resultado de uma série de lições, aos 80 anos, na Universidade de Tubinga, a cada uma das quais assistiram mil pessoas, pergunta o teólogo Hans Küng: "O ateísmo explica melhor o mundo? A sua grandeza e a sua miséria? Como se também a razão descrente não encontrasse o seu limite no sofrimento inocente, incompreensível, sem sentido!"Anonymousnoreply@blogger.com