sábado, outubro 18, 2008

Os adultos não choram!


No horizonte o sol desce muito lentamente, com a indolência própria dos que vêem fugir-lhes o tempo.
Nuvens persistentes apressam o ocaso do astro-rei que torna raiado o final da tarde. Daqui a nada é noite... E é mais uma tarde que passa.

Sentado, no paredão, rolam-me aos pés duas ondas temerosas...

Copiosas lágrimas correm pelas faces e precipitam-se no chão sobre os loiros caracóis acabados de cortar contribuindo para um choro sufocado.
Acabou-se o bem-bom. Em Outubro começa a escola. Já estás um homem, não te esqueças que é também em Outubro que fazes sete anos, não podes usar o cabelo como uma menina.
Já mo tinha dito o filho do trolha. Agora é que vais ver como elas cantam. Na escola: - porrada todos os dias, atemorizava-me ele! Era o seu mundo, ainda nessa manhã tinha apanhado uma monumental coça do pai só porque tinha caiado uma parede primeiro na vertical e depois na horizontal quando deveria ter feito o contrário. E nem o facto de ser filho do patrão lhe valeu de nada!

Sentado na enorme cadeira do barbeiro faço um esforço enorme por não chorar. Lágrimas, caracóis e um pedaço da minha alma misturam-se no chão numa amálgama indizível.
Rejeito a chupeta, coberta de açucar amarelo, com o que o esforçado Canedo conseguia acalmar as cabecitas mais irrequietas. Aquele açucareiro de chapa também amarela onde mergulhavam diversas chupetas sempre me repugnara até porque nele se misturavam os fluídos dos narizes menos cuidados.
As lágrimas persistentes já não sei que significavam. Se o adeus aos caracóis, às saias da mãe e da avó, se o amadurecimento da idade. Certo é que da escola não tinha medo. Ler, escrever e contar já eu sabia. A minha avó, com brio, disso se encarregara. Também já possuía sacola e o guarda-chuva que me haveria de distinguir das serapilheiras da vizinhaça. Sim, assumia-o já: estava um Homem.
Já não posso chorar. Tento não pensar mais nisso. Centro a minha atenção nos espelhos que me devolvem a nuca. Ao lado do açucareiro, os finos pós de arroz, premiados numa feira internacional por altura dos jogos olímpicos de Berlim de 1936, que hão-de contribuir para escanhoar os adultos.

E, firme: os adultos não choram!

J Santos Pinho in Semanário de Felgueiras de 10 de Outubro de 2008

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