terça-feira, abril 20, 2010

ENTREVISTA


OCTÁVIO PEREIRA – Director Executivo da USAF

“As universidades seniores em Portugal, têm contribuído imenso para melhorar a auto-estima e a saúde mental e física de muitos milhares de portugueses”.

Nasceu em Ventoselo, uma aldeia do concelho de Mogadouro, mas cedo rumou a Macau, onde esteve seis anos. Depois andou por Angola, onde casou e lhe nasceram os três filhos. Após o 25 de Abril de 1974 chegou ao Brasil onde pensou fixar-se, mas acabou por regressar a Portugal. Trabalhou nas Finanças, no Serviço Meteorológico e fez carreira na Banca. Nos tempos livres fez rádio, colaborou com diversos jornais, criou um Agrupamento de Escuteiros. É membro do Rotary Club de Felgueiras desde 1985, onde exerceu diversos cargos. Foi Administrador de Rotary International, Governador do Distrito Rotário 1970 no período de 2000/1. Chefiou durante um mês uma Equipa de Estudos ao Brasil em 1996 e presidiu à Comissão Distrital da Rotary Foundation de 2003 a 2005. Foi presidente do Conselho de Administração da revista Portugal Rotário. No seu clube foi responsável pela criação de dois clubes de jovens: o Interact e o Rotaract e também da USAF – Universidade Sénior e do Autodidacta de Felgueiras.

Nascida sob o signo do bem – estar da Comunidade sénior Felgueirense, a USAF, surge como núcleo socioeducativo aberta à comunidade, de alternativa aos tempos livres, tendo em vista propiciar momentos potenciadores do seu crescimento intelectual e enriquecimento cultural.

Por João Silva

1. Octávio Pereira tem sido o rosto mais visível da USAF, sendo por todos, alunos e professores, considerado a “alma” do projecto da Universidade Sénior e do Autodidacta de Felgueiras. Como se sente enquanto “Pai, Fundador e Protector” desta instituição? Descreva-nos as razões da sua forte ligação ao projecto.

As razões da minha ligação à USAF, decorrem da disponibilidade que qualquer rotário deve ter para servir a sua comunidade. Terminado o meu mandato como Governador do Distrito Rotário 1970, pareceu ao Rotary Club de Felgueiras que seria um bom serviço à comunidade criar uma universidade sénior que apoiasse as pessoas reformadas ou em vias de se aposentarem. Foi me pedido que o fizesse. Aceitei. Constitui uma equipa e nasceu a USAF.


2. As universidades seniores vieram para ficar. Enquanto núcleos de dinamização educacional e social, e sem fins lucrativos, testemunharam na viragem do século um verdadeiro um «boom». Se até 2001 existiam apenas 18 universidades, hoje serão cerca de cem. Como justifica este fenómeno generalizado?

As universidades seniores têm bastante mais anos na União Europeia, e deve-se sobretudo ao aumento da longevidade e consequente envelhecimento da população e diminuição dos nascimentos. Se em Portugal o fenómeno é mais recente, é porque as necessidades também o são. De facto, nos anos oitenta e noventa houve em Portugal algumas tentativas de criação de universidades seniores e de as agrupar em associações que foram goradas porque as pessoas ainda não sentiam necessidade deste serviço.

Entretanto algumas organizações não governamentais e algumas autarquias aperceberam-se de que esta era uma forma de apoiarem os grupos de reformados, mantendo-os activos com enorme vantagem para a sua saúde e bem-estar e sem grandes custos económicos. Daí terem criado elas próprias, algumas universidades seniores ou apoiado associações locais com essa finalidade.

É preciso referir aqui o papel relevante que os clubes rotários têm desempenhado na expansão e criação de universidades seniores. Como clubes de serviço que são os Rotary Club criaram e tem em funcionamento, em Portugal mais de 30 universidades seniores.


3. Ao longo da sua experiência e contacto com este projecto, quais os principais constrangimentos que a USAF tem conhecido no seu desenvolvimento?

Num projecto de voluntariado como é a USAF, a maior dificuldade é encontrar voluntários e boas vontades. Claro que os recursos financeiros são importantes e a logística também, mas a equipa tem sabido ultrapassar uns e outros adaptando os meios às necessidades e sobretudo motivando professores e alunos.


4. Nas actuais condições de existência, a USAF é um projecto auto-sustentado?

Se nas condições inclui o apoio logístico e humano do Rotary Club de Felgueiras, o projecto é sustentável, a prová-lo estão os nove anos que a USAF leva de vida.


5. Tendo em conta que as Universidades da Terceira Idade não se limitam ao entretenimento, e dedicam-se à qualificação permanente, dos mais idosos, qual deverá ser o papel do Estado no apoio a estas instituições?

Não sou apologista da intervenção do Estado naquilo que nasceu na esfera privada. Se até aqui funcionaram bem sem o Estado, a intervenção deste deveria limitar-se a apoiar os alunos que queiram frequentar uma universidade sénior e que não tenham meios para o fazer, por exemplo atribuindo-lhe uma bolsa anual. Nós temos alunos que não pagam qualquer inscrição, o próprio seguro de acidentes pessoais é suportado por nós. Uma coisa é certa, ninguém deixa de frequentar a USAF por falta de recursos económicos.


6. Dada a nobreza do projecto a as suas finalidades, de que apoios institucionais tem beneficiado a instituição?

Em termos institucionais, a Câmara Municipal tem nos facultados gratuitamente as instalações da Biblioteca Municipal para a realização anual da Exposição dos trabalhos das turmas de Artes Decorativas. Tivemos um pequeno apoio financeiro do Governo Civil do Porto quando era governador o actual Presidente da Câmara do Marco de Canavezes para a realização do I Encontro de universidades seniores patrocinadas pelo Rotary e outro da Caixa Geral de Depósitos para o mesmo efeito. Nessa altura trouxemos a Felgueiras cerca de trezentas pessoas, a quem mostramos o que o Concelho tem de melhor. A Confraria do Sagrado Coração de Maria de Santa Quitéria, disponibiliza anual e gratuitamente o seu salão para a sessão solene de abertura do ano lectivo e as Caves da Lixa têm disponibilizado o seu salão de festas para a noite da abertura solene, igualmente a senhora Dra. Maria Adelaide Freitas nos cedeu por mais de uma vez a sua casa em Sendim para actividades festivas da USAF. A todos eles aproveito para deixar aqui o meu agradecimento e o reconhecimento da USAF.


7. Hoje, é unanimemente reconhecido que a idade cronológica é apenas uma idade entre muitas outras. Por outro lado, o prolongamento da longevidade humana gerou a disponibilidade de mais tempo livre junto dos aposentados. Em que medida a Universidade surge como tentativa de responder aos anseios, necessidades e, mesmo, exigências dessas pessoas?

Não é apenas uma questão de ocupação dos tempos livres. A passagem à reforma é um corte na actividade humana, não é um ganho, é uma perda e implica uma série de alterações a nível ocupacional, emocional, afectivo, comportamental e até de saúde a universidade sénior procura responder a essas alterações, criando um ambiente favorável ao desenvolvimento de outras relações humanas saudáveis e novos pontos de interesse. Por isso, nos reunimos em volta de uma mesa oval, por isso é que não temos só aulas, temos a hora do chá, temos passeios, temos festas, temos exposições, temos a ida aos lares da 3ª idade, temos a ida ao Jardim Infantil, temos o blogue, temos encontros, temos convívios, temos o magusto, temos a sardinhada, vamos ao teatro, etc.


8. Está satisfeito com a interacção conseguida com a comunidade envolvente?

Os ideais dificilmente são atingíveis na sua totalidade. Nós criamos um serviço que disponibilizamos a toda a população que dele queira usufruir, mas fizemo-lo conscientes das dificuldades próprias de um meio rural e fabril em desenvolvimento e transição para um meio urbano, onde a cultura e literacia nem sempre são prioridade.


9. Neste momento qual é a maior necessidade da USAF?

Encontrar voluntários, dentro e fora do Rotary para assumir responsabilidades na Direcção e como Professores por forma a renovar todos os anos os seus quadros, sem cansar. Temos professores que o são há nove anos, sentem-se cansados e eu compreendo-os. Compreendo que temos abusado da sua boa vontade. A equipa directiva que recebeu do Rotary um mandato de dois anos para pôr o projecto a funcionar ainda é a mesma. Precisamos de mais voluntários que tenham outras ideias, que acrescentem mais valias ao projecto.


10. Num artigo da revista da Academia americana de Neurologia, mostra-se que quanto maior é a prática pelos idosos praticam de actividades mentalmente estimulantes – como ler jornais ou jogar xadrez – menor é o risco de virem a sofrer da doença de Alzheimer. Sente que as pessoas se esforçam para se manterem activas?

Sinto que as pessoas gostam de participar nas actividades, e que isso as torna felizes, como sinto que algumas gostariam que a USAF estivesse aberta todo o ano, sem férias. Mas também noto que quando se lhes pede maior esforço de aprendizagem, sobretudo em áreas novas, como as Novas Tecnologias ou a Língua Inglesa, alguns fraquejam ou desistem.


11. O que justifica, afinal, a existência da Universidade Sénior e, globalmente como avalia o “Movimento das Universidades” em Portugal?

O que justifica a existência da USAF é haver pessoas que numa fase da sua vida precisam de encontrar um novo caminho, fazer amigos, abrir novos horizontes, ter alguém que os ouça, aprender coisas novas que não tiveram tempo de aprender enquanto foram profissionais activos.

As universidades seniores em Portugal têm desempenhado um papel muito importante e insubstituível no bem estar das populações, têm contribuído imenso para melhorar a auto-estima e a saúde mental e física de muitos milhares de portugueses.


12. Há quantos anos exerce funções de direcção na USAF? Que razões motivaram o nascimento da Universidade?

Esta Direcção está em funções desde o Outono de 2001, pois a USAF abriu em 4 de Fevereiro de 2002, aniversário do Rotary Club de Felgueiras. O mandato é de dois anos, só que tem vindo a ser renovado, porque não conseguimos voluntários que queiram e possam assumir esta responsabilidade. É preciso dizer que os professores e a Direcção da USAF são voluntários, trabalham de graça e às vezes ainda põem algum dinheiro do seu bolso.

Como Governador do Rotary tomei contacto com este projecto em alguns clubes rotários como Chaves e Viseu, tendo apoiado e aplaudido a iniciativa, por me parecer muito meritória. Uma forma de apoiar era criar novos pólos, por isso o Rotary Club de Felgueiras decidiu avançar com o projecto. Além disso procurei que surgissem outros clubes interessados e visitei alguns para lhes falar sobre o projecto, nomeadamente Fafe, Amarante, Penafiel e Maia.


13. Como é o seu dia-a-dia com alunos e professores?

É um relacionamento de amigos, assisto à maior parte das aulas, intervenho como aluno quando me dão a palavra e também já tenho substituído alguns professores. Procuro que as condições da sala sejam boas, que o ar condicionado funcione, que o chá esteja pronto, que os horários sejam cumpridos por todos. Se alguma coisa me dói é perder um professor ou um aluno, qualquer que seja a razão.


14. Tem alguma memória especial que gostaria de partilhar?

O caso de uma aluna com cerca de 90 anos que eu tinha procurado contactar por faltar uns dias às aulas e que me telefonou dizendo que estava no hospital, pois tinha partido o fémur. Pediu-me que a fosse ver dizendo que queria voltar às aulas. Visitei-a no hospital e visitei-a mais tarde em sua casa durante alguns anos, até falecer. A alegria de me ver e de saber notícias dos seus colegas era tal que o seu rosto se transformava.


15. Tem confiança no futuro do Universidade? Que sonhos gostaria de realizar na USAF?

Tenho confiança no futuro da USAF porque acredito na generosidade dos seus professores e na boa vontade dos seus alunos em construir um mundo melhor para si e para os outros.

Quanto aos sonhos, é melhor ser realista. Tomar consciência de que o convite para a festa da vida tem um prazo, temos que aproveitá-lo, usufruir de toda a beleza que ela nos proporciona e fazer que o mundo seja melhor a cada dia que passa. O sonho era criar condições para que todos os idosos pudessem sonhar com uma vida feliz. Não gosto dos lares que conheço, incomoda-me quando os visito, porque o lar que eu sonhei teria de ser diferente. Mas isso dava pano para mangas.


16. “O que responde a quem acusa a USAF de elitismo?”

Respondo, que se calhar até têm razão. Ser elitista no serviço que se presta, na qualidade dos seus professores, nos conteúdos das aulas, na diversidade das propostas, nos meios que procuramos disponibilizar a quem frequenta a USAF acho que é bom ser elitista. Mas a USAF não é elitista no sentido de discriminar, as pessoas por falta de cultura ou por falta de meios económicos. Ninguém deixa de frequentar as aulas por que só tem a terceira ou quarta classe, ou porque não tem dinheiro para pagar a inscrição.

Agora que a USAF tem alunos instruídos e cultos tem, mas tem também alguns menos cultos e menos instruídos e ninguém que eu saiba se sente discriminado. Que temos alunos com mais posses que outros é capaz de ser verdade, mas nunca perguntamos a ninguém o dinheiro que tem a religião que professa ou o partido político que prefere. Todos são aceites como fazendo parte da mesma família humana com qualidades e defeitos.

1 comentário:

Dalila Silva disse...

Sinto-me muito satisfeita por fazer parte deste Grupo. Considero que efectivamente o Sr. Pereira é, tal como disse o João, a alma da Usaf. Espero que continue na sua cadeira de "boss", estou certa que terá o apoio de todos os alunos e professores.