quarta-feira, janeiro 27, 2010

Problemáticas do Mundo Contemporâneo - Textos para discussão

Posições sobre a existência de Deus

Sobre a problemática da existência de Deus e da verdadeira forma de a Ele aceder e o conceptualizar, podemos destacar seis posições que em seguida procuraremos caracterizar.

Teísmo: é a posição segundo a qual Deus é o garante de toda a ordem, unidade de todos os seres, ente transcendente, livre, criador, infinito e perfeito. Segundo os que defendem esta posição é não só possível como necessário demonstrar, através de uma argumentação racional, a existência de Deus. Para tal, o teísmo recorre a um conjunto de argumentos que se podem agruparem em ontológicos, cosmológicos e morais.

Panteísmo: ao contrário do teísmo, que defende a transcendência de Deus relativamente ao mundo criado, o panteísmo é a posição segundo a qual Deus se confunde ou identifica com o mundo, isto é, para a qual Deus é imanente ao mundo. A própria palavra panteísmo significa que tudo é Deus e só por isso é que se pode falar na unidade do mundo. A totalidade do Universo e Deus são, portanto, a mesma coisa — eis a tese sustentada pelos defensores desta posição.


Fideísmo: se no âmbito da teologia racional se admite a possibilidade de provar racionalmente a existência ele Deus, já o fideísmo afirma que não é possível nem necessário provar discursivamente a existência de Deus. Os defensores desta posição separam, como esferas perfeitamente distintas, a razão e a fé, dizendo que a via para Deus é aberta pela fé e não pela razão. Kiekegaard e Pascal ilustram bem a tese fideísta ao afirmarem, respectivamente que "a fé não tem necessidade de provas, olha-as mesmo como inimigas" e "o coração tem razões que a razão desconhece".


Misticismo: é a posição que defende que a verdadeira via de acesso a Deus é a atitude de contemplação e de amor; ainda que existam vários tipos de misticismo, é comum a todos eles que a ideia de a experiência religiosa é a experiência directa e pessoal da presença do seu Deus, que proporciona a união e a experiência íntima com a divindade; esta experiência está para além ele todo o significado racional e é da ordem da intuição.


Agnoscitismo: é a posição segundo a qual é impossível provar a existência de Deus, da mesma forma que é impossível provar a sua inexistência; é que para os agnósticos, a questão da existência de Deus é uma questão que não pode ser resolvida em termos de conhecimento dado que não se enquadra nos requisitos que a produção deste mesmo conhecimento necessita. 0 agnóstico abstêm-se, assim de afirmar ou negar a existência de Deus.


Ateísmo: Se na posição exposta anteriormente tínhamos uma abstenção quanto à problemática da existência de Deus, já no ateísmo encontramos a afirmação peremptória da inexistência de Deus, o ateísmo nega, portanto, que Deus exista, tal como nega qualquer princípio criador. Esta posição encontra-se ligada a interpretações variadas do fenómeno religioso, que vão desde a ideia de que a religião é uma forma de debilitar o controlar o Homem a partir do seu enfraquecimento, passando pela afirmação de que a essência da religião é a alienação e a ilusão e indo até à afirmação de que tomar o Homem a sério, como projecto que a si próprio se faz, faz da ideia de Deus um absurdo.

4 comentários:

Mário disse...

Aproveitando o facto de ter gostado deste post:
Os prismas das religiões e do seu objecto central - o deus, os deuses ou a auseência de ambos - devem ser temas a debater sempre, para que não se combata por eles.
Esta iniciativa parece ser uma boa proposta:
http://www.conscienciaereligiao.com/

J Santos Pinho disse...

A ideia é mesmo essa. Que essas definições sirvam para uma reflexão mais aprofundada das experiências/vivências de cada pessoa.

Anónimo disse...

Haiti. Onde estava Deus? (1)

Não há palavras suficientes e sobretudo suficientemente fortes para descrever a tragédia do Haiti: mais de duzentos mil mortos, mais de um milhão de desalojados, fome, pilhagens, órfãos sem conta, rapto de crianças, o desabar de um resto de Estado, o buraco negro e roto do futuro... O horror pura e simplesmente!
E muitos, alto ou lá no íntimo, gritaram: Onde estava Deus, onde está Deus no Haiti? A pergunta constantemente repetida ao longo da História: Onde estava Deus no Gólgota?, onde estava Deus no terramoto de Lisboa, no tsunami da Indonésia?, onde estava Deus em Auschwitz?...
Este clamor acompanha a história da filosofia, desde que Epicuro por volta do ano 300 a. C. e, depois, Pierre Bayle, no iluminismo, atenazaram o pensamento neste domínio. Deus deve ser omnipotente e infinitamente bom. Assim, como explicar o mal? Ou Deus pôde evitá-lo e não quis: então, não é infinitamente bom. Ou quis, mas não pôde: então, não é omnipotente. Ou não pôde nem quis: então, não é Deus. Ou pôde e quis: então, porquê o mal?
As tentativas de resposta sucederam-se. Leibniz inventou inclusivamente a palavra teodiceia, que significa precisamente "justificação de Deus", no Essai de théodicée (Ensaio de teodiceia). Aí, argumentava que este mundo não é óptimo nem perfeito, mas, sendo Deus infinitamente bom, omnipotente e omnisciente, é o melhor dos mundos possíveis. O ensaio foi publicado em 1710, tornando-se quase um manual da Europa culta. Mas bastaram 45 anos - o terramoto de Lisboa foi em 1755 - para que Voltaire ironizasse sobre ele no Cândido ou o Optimismo. E Kant, em 1791, escreveu um pequeno tratado com o título Über das Misslingen aller philosophischen Versuche in der Theodizee (Sobre o fracasso de todas as tentativas filosóficas na teodiceia).
Como pode, de facto, a razão humana finita justificar Deus perante o mal? Aliás, constituiria crueldade cínica avançar para junto de quem sofre os horrores do mal com explicações teóricas. De qualquer modo, frente ao mal, o crente percebe que Deus não é omnipotente nem infinitamente bom ao modo do pensar humano e que afinal a fé é mais um combate do que uma consolação e que esse combate tem a sua prova na praxis solidária com quem sofre.
Num documento sobre a tragédia do Haiti, a Associação de Teólogos João XXIII lamenta que se continue à procura do Deus-relojoeiro de Newton, ajustando a maquinaria do universo, e que não se acabe com o pedido de milagres naturais a Deus - que mande chuva, que evite os tsunamis, que faça prodígios -, um Deus-providência ao nosso serviço, um superpai que nos proteja da natureza e das suas leis, esquecendo que "Deus não interveio para evitar o Gólgota nem Auschwitz nem evitou pestes, fomes e outros desastres".
Em que Deus acreditam então? "Cremos que o mal é também um mistério que dificilmente encaixa na imagem de um Deus omnipotente e misericordioso, sobretudo quando se traduz em sofrimento dos pobres e inocentes." Crêem no Deus que não tem ciúmes do ser humano e lhe deu capacidade criadora - talvez a ciência possa vir a prever os terramotos - e responsabilidade no mundo. Deus defende os pobres e oprimidos e abençoa os que trabalham pela justiça e pela paz.
"Deus não é neutral, está no Haiti nas vítimas e em todas as pessoas que ali trabalham solidariamente", identifica-se com as vítimas, fazendo delas o critério do juízo divino: "Destes-me de comer, de beber, de vestir..." Ninguém tem o direito de falar em seu nome, "só elas e quem partilha os seus sofrimentos. Mas podemos e devemos todos tornar-nos presentes no Haiti, atender às necessidades urgentes dos haitianos e colaborar na sua reconstrução".
Mas não basta. "O Haiti personifica hoje os povos crucificados"; temos todos de mudar, e a referência ao Deus de Jesus há-de ser "o grande acicate de justiça e solidariedade" num mundo cuja ordem internacional "está montada sobre a concentração da riqueza em 20% da humanidade e o desamparo de boa parte dela".

Anónimo disse...

Haiti. Onde estava Deus? (1)

por ANSELMO BORGES –

DN, 13 Fevereiro 2010